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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

Reciprocidade

Aí pronto, então eu vou dar tudo aquilo que eu receber, calma, não sejamos rasos! Vamos pensar um pouquinho neste termo tão violentado pela sombria positividade tóxica, qualquer um coloca essa palavra num fundo de pôr-do-sol com uma música do Frejat e de repente se torna especialista em relacionamentos. Então, antes de tatuar essa linda palavra na sua nádega, ao lado da palavra resiliência, compreendamos um pouco mais do seu significado.


No dicionário, a palavra reciprocidade, é definida como a qualidade do que é recíproco, sério mesmo, amo dicionários, mas ele continua, como se isto fosse realmente necessário, e diz que envolve uma troca ou interação igualitária entre duas, ou mais partes, também explica que a origem etimológica é do latim "reciprocus" que denota algo que volta da mesma forma, até aí tudo bem, isto é o mínimo que dá para saber do tema. Ótimo, então já posso colocar na minha biografia do Tinder? Ainda não! Vamos nos aprofundar um pouquinho, na filosofia, a reciprocidade se refere a um princípio ético que preconiza tratar os outros como gostaríamos de ser tratados, isto é chamado de Regra de Ouro, presente em várias tradições filosóficas, religiosas e éticas.


Essa regra, que é uma diretriz moral fundamental, sugere que devemos tratar os outros da mesma forma como gostaríamos de ser tratados por eles, agora será exigido um grau de leitura avançado para compreender, perceba a sutil diferença do que foi dito no parágrafo acima, entre dar exatamente aquilo que recebeu e dar aquilo que gostaria de receber do outro nas relações. Pegou a diferença? Caso contrário leia novamente, eu sou apenas um texto, não vou fugir. Leu? Podemos prosseguir? Você deve ter pensado, ah, então eu vou fazer pelo outro aquilo que gostaria que o outro fizesse para mim como se fosse um crédito e não como um pagamento pelo que o outro já me fez? E se a pessoa não fizer de volta? Pergunta típica do Ego, que não pode ser passado para trás, neste caso sugiro terapia e para responder por que todas as suas relações precisam ser de ganho e não de oferecer aquilo que você tem por dentro.


Continuando, a Regra de Ouro, ou seja, tratar o outro como gostaria de ser tratado, mesmo que pareça o contrário, pressupõe a equidade e consideração mútua nas interações humanas, implica que devemos estender a mesma consideração, compreensão e respeito aos outros que esperamos receber deles em nossas relações. Talvez aqui eu necessite novamente do seu “português avançado” para compreender esta ideia. A noção de equidade não é simples, refere-se à justiça e à imparcialidade na distribuição de recursos, oportunidades e tratamento, levando em consideração as diferentes necessidades e circunstâncias das pessoas, é inclusive um dos princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde. Sim, você entendeu direito, significa dar mais quando se precisa de mais e dar menos quando se precisa de menos, olha só, então as relações são dinâmicas e podem variar conforme aquilo que eu posso entregar ao outro e não uma simples matemática de toma lá, dá cá?


Ainda não entendeu? Vou dar um exemplo bem radical, alguém good vibes de franjinha curta pode dizer, “poxa, meu namorado não respondeu as minhas mensagens, então eu não vou responder as dele também, aqui é reciprocidade, não mandou, não terá”, e daí alguém com franja do tamanho normal comenta, “claro que ele não respondeu, a mãe dele morreu e ele está no velório”. Reciprocidade é dar mais quando o outro precisa de mais, porque é isto que você ia esperar se fosse contigo, sim, caímos na empatia, outra palavra que poucos sabem o que quer dizer e adivinha onde tatuam? A conexão entre a Regra de Ouro e a reciprocidade ressalta a ideia de que relacionamentos saudáveis e harmoniosos são construídos sobre a base do entendimento mútuo e da igualdade nas interações.


Mas a reciprocidade não se trata apenas de um princípio ético ou da habilidade social de empatia, mas também de responsabilidade moral. Ao reconhecer que desejamos ser tratados com dignidade e consideração, assumimos o dolo de agir de maneira semelhante em relação aos outros, isto não apenas contribui para relacionamentos mais saudáveis, mas também promove um ambiente social mais justo e compassivo, agora chegamos a compaixão. Eu sei, muitos já se perderam faz tempo neste texto, melhor mesmo é se trancar num buraco sujo e não se relacionar, e eu falo o motivo, é bem simples, na verdade, só conseguimos fazer tudo isto para fora, com os outros, se soubermos fazer por dentro, com a gente mesmo. E então? Já se ama? Já tem autocompaixão? Já deu para você o que quer receber dos outros? Já tem empatia por você mesmo? Já se responsabiliza pelas suas escolhas? E vai fazer isto numa relação amorosa, familiar, de amizade, social como? Se tentar vai se tornar um mendicante de afeto, vai sobreviver com migalhas e vai se autodestruir.


Na psicologia, porque é disto que vim escrever, e para reforçar, entendemos a reciprocidade como algo além de devolver as mesmas ações recebidas, mas como um reflexo da capacidade de compreender e acolher as necessidades emocionais do outro. A qualidade da reciprocidade reside na habilidade de reconhecer as nuances das emoções e sentimentos alheios, respondendo com empatia e compreensão, por isto, falamos sobre qualidade da reciprocidade. Nas amizades, a reciprocidade está na disposição para ouvir, compreender e apoiar incondicionalmente em momentos de alegria e de dificuldade mutualmente, proporcionando um senso de pertencimento e confiança mútua. Nas relações familiares, a reciprocidade envolve a capacidade de se adaptar e crescer juntos, reconhecendo as mudanças individuais ao longo do tempo, isto implica aceitar e apoiar o desenvolvimento pessoal de cada membro da família, independentemente das diferenças que possam surgir. Nos relacionamentos amorosos, a reciprocidade envolve a disposição de compartilhar vulnerabilidades, medos e desejos, criando um espaço de confiança mútua onde ambos os parceiros se sentem valorizados e compreendidos.


A busca pela qualidade da reciprocidade nas relações interpessoais exige autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. É preciso compreender as próprias necessidades emocionais e aprender a comunicá-las de maneira clara e respeitosa. Além disso, é fundamental desenvolver a capacidade de ouvir ativamente e demonstrar empatia em relação às necessidades e sentimentos dos outros. Neste ponto, para encerrar reforço, que existe uma diferença enorme entre dar exatamente o que recebeu, dar o que espera receber e dar o que se tem por dentro para dar, eu compliquei mais um pouquinho esta ideia, porque no fim de tudo é isto, nós damos aquilo que temos e para ter mais para dar é necessário se conhecer mais, se desenvolver mais e dar mais para si.


É muito raso e feio, sujo aquele discurso que diz que cada um tem de mim aquilo que cativou, aquilo que merece, é muito pequeno isto, cada um tem de mim o melhor que eu tenho, o máximo do que eu sou, porque a minha luz, a minha capacidade empática e a minha reciprocidade não estão submetidas aos problemas dos outros, eu sou quem eu sou independentemente de onde eu estiver e com quem eu estiver. Mesmo nos desertos da vida, mesmo no vale da sombra da morte, mesmo no inferno, eu continuarei sendo quem eu sou, se cada um que me tratasse mal eu respondesse também mal, então as relações nunca evoluiriam, nunca avançariam, então o problema de um se tornaria um mal para todos e não devemos nos contaminar pelo mal, mas espalhar o nosso bem.


Seja recíproco, doe sem esperar nada em troca, porque se é, não por interesse, quem devolve na mesma moeda é casa de câmbio... Quer saber do que mais, esqueça tudo isto e ligue para o meu tatuador, vou fazer uma edição linda das fotos com a música nova da Pitty e ganhar muito likes good vibes.

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