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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

Adolescência tardia e o significado de ser adulto

O texto de hoje não é para os pobrezinhos dos adolescentes, hoje geração Alpha (2010-) e parte da geração Z (1990-2010), mesmo escrevendo sobre esta fase da vida, a melhor de todas depois que acaba, este texto é para os adultos que ainda não descobriram o que significa de fato ser adulto, que se recusam a adultecer ou que ainda não conseguiram fazer isto por algum motivo.


A ideia de uma fase da vida chamada adolescência é nova, surgiu no século XX e já está em crise, foi estendida e modificada nos últimos tempos, dos 12 aos 19 anos, definido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil (Lei 8069/90), até os 24 anos, segundo cientistas ingleses da associação Royal College de pediatria e saúde infantil. Têm estudos mais recentes que já dizem que, dos pontos de vista social e cultural, esta fase ultrapassa a casa dos 30 anos, oi Millennials (1980-1995), vocês (nós) novamente né!


Você já viu aquele meme na internet em que se compara as gerações anteriores, nossos pais ou avós, que com 20 anos já tinham casa própria, carro, eram casados e tinham vários filhos e depois mostra a nossa geração com os mesmos 20 anos e ainda na casa dos pais, pensando em qual profissão escolher, com medo da não-monogamia e chateados reclamando na internet porque o cara demorou para responder na conversa do zap e por isto ele é narcisista? Então é sobre isto que tentarei escrever, o que foi que aconteceu com a gente? De quem é a culpa disto? Por que a Anitta ainda não se manifestou a respeito?


A definição real oficial de adolescência é a de um “estágio do desenvolvimento que marca a transição entre a infância e a idade adulta”, o termo vem do latim e significa “crescer até a maturidade”, foi promovido pelo psicólogo americano Granville Stanley Hall em 1904, ele defendeu a tese de que existe uma fase do desenvolvimento entre a infância e a vida adulta, que dura aproximadamente dez anos, com características fisiológicas e culturais específicas. Antes desta ideia ser discutida pela ciência não havia o reconhecimento de suas especificidades, mas também não tinha ENEM na época e nem Taylor Swift, apenas a terrível puberdade! O indivíduo passaria de criança para adulto assim que fosse capaz de desempenhar as atividades de outros adultos, isto é, trabalhar, e sabemos que antes ainda na história da humanidade, nem o conceito de criança existia, todos eram pequenos adultos.


E quais serão estas especificidades tão maravilhosas que acontecem depois da infância e que nos prepara para a vida adulta a ponto de um bando de psicólogos calvos criarem uma etapa do desenvolvimento humano somente para que isto aconteça? Do ponto de vista fisiológico temos principalmente a tão temida puberdade, hormônios sexuais e do crescimento liberados numa explosão moldando as chamadas características sexuais secundárias, que são os pelos que nascem por todo o corpo onde antes não havia, a voz que alterna do grave para o agudo, ocorre o estirão de crescimento que deixa a pessoa desajeitada, com desejo sexual descontrolado, é uma alegria sem tamanho, aposto que você se lembra do primeiro fiozinho de pelo triste e solitário que nasceu no seu corpo ou da primeira menstruação.


Mas até aí está bom, outras mudanças também acontecem, do ponto de vista cognitivo temos o desenvolvimento do pensamento abstrato, do pensamento crítico, da capacidade de raciocínio mais complexo e da habilidade de tomada de decisão mais avançada. Socialmente ocorre a busca por pertencimento e aprovação nos grupos, a formação de amizades mais profundas e o desenvolvimento de habilidades sociais como a negociação, a comunicação e a resolução de conflitos. Do mesmo modo e parecendo contraditório, há também a procura por independência e autonomia, principalmente dos pais, e pela identidade própria e individual.


A busca de identidade acontece pela exploração e testagem das crenças e valores familiares e sociais que foram ensinados ou impostos, pela definição de um projeto de vida, pela escolha da carreira e da necessidade de encontrar um propósito. É o momento em que a fantasia precisa dar lugar para a realidade do mundo concreto e as suas limitações, de aprender a ter mais responsabilidades, lidar com a casa, com as finanças e sobre como funciona o portal do governo para declarar o imposto de renda. Também é o período mais propício para a concretude das descobertas das identidades de gênero, sexuais e de orientação afetiva e da necessidade de criação de laços profundos do ponto de vista amoroso ou romântico.


Que maravilha né, isto tudo num mundo perfeito, num mundo em que a Fernanda Montenegro ganharia o Oscar de melhor atriz em 1999 e não a mulher do Homem de Ferro, num mundo que Turnê Mundial não fosse apenas nos Estados Unidos e Europa, né Beyoncé? Precisamos lembrar que, apesar de toda esta lista de expectativas de desenvolvimento para acontecer nos curtos dez anos de transição para a vida adulta, cada pessoa vive esta etapa de uma forma muito específica e individual, que varia conforme a cultura, a sociedade, o tempo na história, as crenças familiares, religiosas e da comunidade que está inserida.


De qualquer forma, eu sei que, obviamente, você conseguiu fazer todas estas tarefas até os seus 18 anos, eu tenho certeza! O que foi? Não conseguiu? Você tem mais de 20 anos e ainda não sabe o sentido da sua vida? Só conseguiu comprar as coisas que sempre quis e teve independência financeira e emocional depois dos 30 anos? Não juntou o seu primeiro milhão ainda? Tem mais de 40 anos e não se sente pertencente a algum grupo? Está iniciando uma nova carreira? Ainda não saiu do mundo da fantasia? Quer viajar para a Disney depois de velho? Ainda espera o príncipe encantado? Pois é, daí que vem a ideia de adolescência tardia.


Na adolescência tardia, as pessoas ainda podem experimentar mudanças físicas, emocionais e sociais, bem como explorar suas identidades, estabelecendo metas de vida e tomando decisões importantes sobre carreira, educação e relacionamentos. Esse período pode ser caracterizado por uma maior independência em relação aos pais ou responsáveis, mas também pela busca contínua por autoconhecimento e autodescoberta. Eu sei, talvez seja mesmo pedir demais que aquele adolescente destrambelhado com dois fiapos no bigode tome decisões tão importantes sobre a própria vida, que a definirão para as próximas décadas ao menos, o cara não sabe nem a diferença entre Marvel e DC direito, eu sei, mas é disto que se trata se tornar adulto.


Mas como eu iniciei o texto, a culpa não é da pobre adolescente que usa caneta em gel colorida, coleciona adesivos de caderno dos ídolos coreanos e presilhas de cabelo de florzinha, as causas do alongamento da adolescência são sociais e culturais. O aumento das oportunidades educacionais, o adiamento do casamento e da parentalidade e o aumento das expectativas em relação à vida fizeram com que as pessoas se demorassem mais para sair de casa e se arranjarem na vida. Em geral, agora as pessoas estudam por muito mais tempo do que antes para depois se aventurarem no mundo do trabalho, demoram mais para se casar, para achar o par ideal e pensar em ter filhos e convivem com os pais e até os avós para cuidarem deles ou porque dependem financeiramente por mais tempo.


Mas não existem apenas estes motivos “positivos” para a adolescência se estender, do ponto de vista social, pode existir na vida adulta uma espécie de resgate da adolescência que não pode ser vivida no momento em que isto deveria ter acontecido. Muitas podem ser as circunstâncias que impedem o desenvolvimento, seja extrema pobreza, trabalhar desde muito cedo, problemas de saúde física em geral, dinâmicas familiares narcisistas, de abuso, preconceituosas ou de violência que reprimem o desenvolvimento e expressão da personalidade. O resultado disto pode ser desde o adulto que consegue somente nesta fase comprar o que sempre teve vontade de ter desde criança, sejam objetos ou experiências, até o indivíduo que só pode ser quem de fato é com liberdade e segurança, na vida adulta, depois que se livrou das limitações familiares, e assim se relacionar com outras pessoas com mais profundidade, é o que acontece com frequência na comunidade LGBTQIAPN+.


Como você já deve ter percebido, eu ainda não fiz nenhuma crítica a adolescência tardia, até agora fiz apenas uma breve descrição do fenômeno, é claro que você também já percebeu o quanto pode ser difícil passar por esta fase do desenvolvimento atualmente e do quanto é importante de fato passar por isto, mesmo que seja mais tarde na vida, mesmo que seja um resgate lá na frente e mesmo que seja reviver diversas vezes, porque a vida se renova todos os dias. Mas o que será então que significa ser adulto? Parece impossível, parece que dói, se a adolescência já exige tanto, será que alguém já chegou à fase adulta?


Não, ser adulto não significa ser rançoso, sisudo e diretivo, com roupas clássicas de linho grosso em tons terrosos, sem bom humor ou sorrisos, envolvimento afetivo e instabilidade de qualquer forma. Isso é ser chato mesmo. Ser adulto, resumidamente, tem a ver com responsabilidade, autossuficiência, capacidade de autoconhecimento, gestão e flexibilidade emocional, autocontrole, autonomia e saber lidar com a realidade. Vou explicar melhor para ficarmos mais um pouquinho engatilhados, ser adulto significa ser capaz de tomar decisões importantes, seja no gerenciamento financeiro, no planejamento para a vida, de carreira e afetivo.


Agir como adulto do ponto de vista da psicologia envolve a manifestação de características e comportamentos que refletem a maturidade emocional, cognitiva e social. Isso significa assumir responsabilidade por suas ações, tomar decisões informadas, desenvolver relacionamentos saudáveis e abordar os desafios da vida com uma perspectiva realista e adaptativa. Não se trata de um estado estático, mas um processo contínuo de desenvolvimento que evoluem ao longo do tempo, sendo influenciadas por experiências, aprendizado e reflexão.


Apesar de ser importante resgatar a vida que não foi vivida, se recusar a crescer pode ser deletério, pode significar a incapacidade de fazer vínculos profundos e de lidar com a realidade concreta e dura da vida, assim, o indivíduo não assume a responsabilidade pelo próprio destino se tornando mais vulnerável ao acaso, a dependência emocional e a superficialidade do prazer imediato e sem significado. Pode também desenvolver um padrão compulsivo por relacionamentos amorosos, se tornar especialista em seduzir e conquistar, mas não em amar, em se aprofundar e manter as relações, ou mesmo pode desenvolver comportamentos narcisistas.


Uma saída para lidar com a necessidade de alongar o período da adolescência de forma saudável e, ao mesmo tempo, trabalhar para se tornar um adulto funcional é a de atualizar aquilo que ficou para trás e, com criatividade, reeditar para a sua atual fase do desenvolvimento, não é tão difícil de ser feito e adivinha quem pode te ajudar com isto? Isso mesmo, eu, então, faça terapia e vamos conversar sobre tudo aquilo que ficou para trás e que precisa ser vivido, sem cair nas armadilhas de paralisar no passado, e viver também as novas fases que estão te esperando em sua jornada de vida.

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