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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

Psicólogos e pacientes podem trocar presentes no final de ano?

Lá vem eu com mais uma das polêmicas do mundinho PSI da internet, acredito que esta discussão começou no Twitter, claro, onde mais poderia ser, com o questionamento se os psicólogos poderiam dar lembrancinhas para seus pacientes no final do ano, antes do recesso, ou se isto poderia prejudicar o processo ou a relação terapêutica entre eles. 

Sabemos desta tradição de trocar presentes no final do ano, nas empresas, entre os amigos ou familiares promovemos as confraternizações e também temos o costume de recompensar as pessoas que nos ajudaram durante todo o ano com as “caixinhas de natal”, eu, por exemplo, sempre dou uma lembrancinha para o porteiro do meu prédio que me ligou milhões de vezes durante o ano quando chegava Ifood ou meus mimos pagos. É claro que, sabemos que a relação entre psicólogo e cliente vai além da troca de serviços, vai além do “eu te pago para isto”, por isto mesmo surge este dilema no final do ano, “eu me abro tanto com esta pessoa, ela sabe tudo de mim e eu não sei nada sobre ela, será que esta relação é mesmo tão profunda ou não?”. “Será que esta profundidade suporta a intimidade para eu dar ou receber um presente?”. E por aí vai… 

Então poderíamos dizer que existe um fator cultural sobre esta troca de presentes no final de ano, tanto nas relações horizontais quanto nas verticais, que poderia muito bem ser reproduzida dentro do consultório psicológico, não é mesmo? Depende. Antes de eu colocar a minha opinião gostaria de deixar claro dois pontos importantíssimos: o primeiro é que não existe no código de ética e em nenhuma legislação profissional qualquer ponto ou vírgula que proíba direta ou indiretamente que o psicólogo dê ou receba presentes no contexto da clínica, isto quer dizer que legalmente não tem problema, então a questão vai para outros âmbitos. Aqui já responde a parte mais soberba da questão, “poder” pode, mas deveria?

O segundo ponto é que, partindo do primeiro, a questão se é permitido ou saudável trocar presentes depende da abordagem teórica que o seu psicólogo adota para a sua terapia, existem abordagens que tem como base o vínculo e a empatia, nestes casos, não são só permitidas, como até esperadas as trocas de presentes, mas existem abordagens em que há um distanciamento maior do terapeuta, então não cabe este comportamento. Em última análise tal conduta e sua interpretação só poderá ser discutido tecnicamente na supervisão de cada profissional, se o presente é o desejo ou a transferência e por aí vai, neste ponto cada psicólogo poderá analisar livremente e concluir o que é melhor para sua clínica e no trabalho que já vem construindo com aquele indivíduo. Afinal, não seria estranho aquela psicanalista raiz, de divã, que nunca diz nada, chegar com um presente? Da mesma forma, aquele terapeuta que ri junto contigo o ano todo e troca memes não aparecer com nada nas mãos?

A minha opinião sobre isto, e com base nos pressupostos da abordagem teórica que eu adotei, a da psicologia junguiana, que trabalha na transferência e no vínculo com o outro ser humano, que se coloca horizontalmente frente a outro ser como alguém que parte do pressuposto do não saber para que se mantenha uma atitude de curiosidade e de espanto, a partir deste lugar eu não vejo problema nenhum em dar e receber presentes no final do ano ou em qualquer momento com os pacientes ou clientes. Porém, e sempre tem um “porém”, acredito que os presentes precisam ter significado para a pessoa, isto é, eu sou absolutamente contra presentes em série, do tipo dar a mesma coisa para todo mundo, montar kits iguaizinhos com frases genéricas e sair distribuindo a torto e a direito. 

Para não sair da hipótese clínica e de relacionamento e cair naquilo da “retenção de clientes” e publicidade barata, para que o gesto permaneça humano e não empresarial e gelado de cumprir algum protocolo, eu prefiro que o presente seja personalizado, pode ser com algum ponto da personalidade da pessoa ou dos acontecimentos que marcaram o ano em sua clínica e que a cartinha ou mensagem que vem junto seja pessoal também, para que aí sim, cumpra sua função. Dar algo só por dar, “passa na recepção e retire seu bombom murcho com “feliz ano novo” digitado e seco”, prefiro não fazer. Mas algo escrito a mão especialmente para aquela pessoa e com um objeto que fará sentido para ela, aí sim. Então para os psicólogos que estão lendo, pode dar presente à vontade, mas não sejam preguiçosos ou publicitários, façam de coração e para os pacientes que estão lendo pode presentear à vontade seus terapeutas se sentir que tem abertura para isto, ele irá amar o reconhecimento e o carinho, ou isto será tema das próximas sessões.

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