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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

Por que eu procrastino?

Procrastinação. O fantasma do mundo contemporâneo, tecnológico e organizacionalista, da corrida contra o tempo, do produtivismo desenfreado e da moral ancorada nas metas e nos lucros, um dos grandes inimigos do nosso tempo moderno, do tempo pós revolução industrial, do tempo em que o ócio e a meditação saíram das graças dos sábios e iluminados para cair nas ideias do tédio e da vagabundagem. Sempre há que se fazer algo, sempre se está atrasado e correndo, ficar ocupado é sinal de importância, muitas ideias, muitos projetos, muitas tarefas, mas não, espere um pouco, o corpo fala, ele fala e para, não podemos seguir desse jeito e então não faz mais nada.


Existem muitas explicações, análises e interpretações sobre este fenômeno em nossa vida, para início de conversa vamos compreende-lo como um sintoma, na psicologia, assim como na medicina, chamamos de sintoma um comportamento, ideia ou emoção que denuncia que algo está errado, a procrastinação é um sintoma de que algo está fora do lugar. Exceto, é claro, se não estiver, obviamente que vamos descartar de início hipóteses em que se considera certa naturalidade procrastinar, como por exemplo, as evitações e fugas de compromissos, tarefas ou de pessoas que o indivíduo considera maçantes ou que desgosta, quando você se atrasa para ir a um funeral, isto não é procrastinação, ou quando você evita iniciar um trabalho de que abomina, vale o mesmo. Então procrastinação tem a ver com motivação?


Sim, a primeira ideia que podemos ter é a de que a procrastinação é uma forma de evitar emoções negativas como medo, ansiedade, desesperança ou autocrítica, então alguém pode adiar o início de algum projeto importante devido ao medo de fracassar e se sentir inadequado. Ou pode demorar para iniciar uma dieta ou para chamar os amigos para sair por ter um autoconceito negativo, medo de julgamentos e para evitar a ansiedade social. Há também, por incrível que possa parecer, a hipótese do oposto a isto, o indivíduo tem medo não de fracassar, mas de ter sucesso, por pensar que dar certo uma vez implica na responsabilidade de ter que dar certo sempre o que se propõe a fazer, então permanece num estado de autossabotagem e fracasso, mas sem expectativas para ter que dar conta. Por exemplo, eu procrastino estudar para a prova, porque no futuro é mais cômodo tirar uma nota ruim do que carregar o peso de ser bom em algo. 


Isto nos remete ao tema das alterações de autoestima num fluxo de retroalimentação, uma bola de neve ou um ciclo sem fim, como preferir, a pessoa não reconhece seu valor e suas habilidades, e adia suas tarefas pela crença de não ser boa o suficiente para fazer ou para suportar os efeitos do que fez, sejam eles positivos ou negativos, este comportamento tem uma consequência negativa que reforça a ideia de que a pessoa não é capaz, por exemplo, ela perde a oportunidade ou o prazo e fica sem tempo hábil para concluir um bom trabalho, então reforça a crença de que não é boa para fazer aquilo. Este é nosso primeiro vislumbre analítico e acredito que já deu para perceber a complexidade da questão, por se tratar de um sintoma, precisamos buscar suas causas, onde atuamos no tratamento, como no que foi dito acima, para lidar com a procrastinação é necessário que a pessoa trabalhe sobre a motivação, ansiedade, autoestima, medo do fracasso, autoconceito, relações interpessoais e a própria identidade. 


Podemos acrescentar às hipóteses acima algo que está muito relacionado, que é a dificuldade de regulação emocional, então procrastinar seria uma forma de evitar lidar com emoções difíceis (reais ou que a pessoa fantasia que irão acontecer), quando não se possui desenvolvidas habilidades eficazes de autorregulação, inteligência emocional e habilidades sociais, assim não se consegue tolerar e gerenciar suas emoções naquele evento, para determinada tarefa ou na presença da pessoa que se evita. Outras atividades de autorregulação são gerenciamento do tempo, organização e planejamento, quando o indivíduo tem dificuldades com estes processos mentais para iniciar tarefas ou ações, seja esta uma alteração emocional, neuroquímica ou das funções executivas, como baixos níveis de dopamina, por exemplo, ele não consegue se engajar nas atividades que se propõe, manter o foco ou mesmo se sentir motivado. 


Ainda sobre este tópico posso citar a dificuldade em adiar recompensas imediatas em trocas de recompensas de longo prazo, é mais fácil procrastinar atividades, tarefas ou ações quando sabemos que o resultado vai demorar para aparecer ou para nos dar prazer. Dificulta ainda mais se a tarefa for desafiadora, entediante, exigir esforço ou perseverança. Exceto pela hipótese química, que pode estar relacionada a algum transtorno bem pontual (e não tão frequente, caso já pensem em se esconder atrás disto para evitar a autorresponsabilização pela sua procrastinação) como o de déficit de atenção, o depressivo ou outros, a autorregulação e as habilidades sociais podem ser desenvolvidas com exercícios cognitivos e comportamentais gerando resultados bastante satisfatórios (as hipóteses neuroquímicas também, mas o tratamento é mais longo e complexo).


Um ponto muito importante, nos aprofundando um pouco no tema, é a relação entre a procrastinação e a falta de conexão com objetivos pessoais, quando uma tarefa não está alinhada com os valores, interesses ou objetivos pessoais da pessoa, é mais provável que ela procrastine. Aqui não cabe dizer, ah, mas eu tenho que fazer este trabalho senão eu sou demitida, tudo bem, mas o trabalho em si, a atividade está desconectada com seus valores e propósitos, de repente é o momento de olhar se este emprego ainda é para você, algo que eu sei ser muito difícil de fazer, mudar a vida inteira, que trabalhão, para buscar conexão com a vida, ser autêntico consigo mesmo. O medo da mudança é outro fator que leva a procrastinação, é melhor eu viver aqui, forçadamente, empurrando com a barriga, aos trancos e barrancos em tarefas que não tem a ver comigo, porque é mais difícil ou eu não tenho forças para sair deste lugar e mudar de vida. 


Na psicanálise isto se chama resistência a mudança, é um mecanismo de defesa, mas nós mudamos o tempo todo, se conseguirmos perceber a procrastinação como um sintoma de que talvez aquele não seja mais o nosso lugar poderemos produzir movimentos muito positivos em nossas vidas, que nos aproximarão mais da nossa essência. É importante aprender a se descolar dos ideais materialistas de sobrevivência [apenas] e começar a olhar também para o mundo por uma nova perspectiva, a da jornada na vida, dos nossos propósitos e desenvolvimento pessoal, não estamos aqui apenas para produzir relatórios, encher a barriga e ouvir Taylor Swift. Posso acrescentar a dificuldade em lidar com a incerteza neste ponto, a falta de clareza sobre como começar ou o que fazer pode gerar ansiedade e levar ao adiamento da tarefa e as crenças negativas a respeito de si mesmo também contribuem para que se evite. Aqui o trabalho é mais complexo e denso, o tratamento exige coragem para a mudança e o enfrentamento da insegurança, é necessário abrir mão do controle para lidar com o fato de que vivemos mais tempo sem saber de nada do que sabendo alguma coisa sobre a vida e o futuro.


Mas para o clima não ficar tão pesado vamos voltar um pouco para a superfície, outro ponto relacionado a procrastinação e retomando o tema da insegurança vem o perfeccionismo, quando se estabelecem padrões inatingíveis para si mesmo ou para a tarefa que se propõe as expectativas se tornam muito pesadas e o medo de fracassar também levando a paralisia do indivíduo e ao seu adiamento. Junto disto, as influências sociais e ambientais podem ter importância para a procrastinação, se a pessoa está cercada de outras que procrastinam pode ser influenciada e fica mais difícil romper o ciclo, ou se está cercada de pessoas muito diferentes dela, ou de pessoas muito críticas ou mesmo ambientes com muitas distrações e falta de estrutura para a tarefa. 


Já que estou falando do ambiente vou complementar com outros tipos de distrações como as tecnológicas e as fisiológicas. Os dispositivos digitais e o acesso à internet podem facilitar a procrastinação, assim como as redes sociais, as notificações que chegam, os jogos online e todo o entretenimento que desvia a atenção pode ser usado como justificativa para se adiar alguma tarefa. Sobre a fisiologia, posso citar a falta de um sono reparador que pode influenciar na atenção e na energia da pessoa, assim como a fome ou a temperatura do ambiente, por exemplo, tudo isto pode facilitar a procrastinação. Outros fatores associados a este tema são os excessos de demanda, a sobrecarga, a necessidade de ser multitarefas e as muitas responsabilidades que podem fazer com que a procrastinação apareça como uma forma de aliviar temporariamente a pressão, uma espécie de descanso, mas com muitos efeitos colaterais, como a culpa especialmente, entretanto temos aqui outro ciclo, porque o alívio, por mais que seja doloroso, pode reforçar este comportamento, isto tem o nome de histórico de reforço negativo. 


Sim, a procrastinação pode ser um comportamento aprendido por estes reforçamentos todos, reforçamentos que foram bem-sucedidos a que se pretendiam, as fugas e evitações, com o objetivo de ter benefícios a curto prazo. Este aprendizado reforça a criação de hábitos, à medida que uma pessoa adia repetidamente as tarefas, a procrastinação pode se tornar um hábito arraigado, tornando mais difícil romper o ciclo. Geralmente este hábito está repleto de pensamentos irracionais que levam ao autoengano para justificar estas ações, como por exemplo, eu trabalho melhor sob pressão ou vou ter tempo suficiente depois.


Para encerrar esta leve revoada pelas possiblidades que podemos pensar logo de cara a respeito deste tema, a procrastinação também pode ter relação com certa resistência a transição do indivíduo para a vida adulta. Lidar com novas responsabilidades e demandas pode ser desafiador, levando ao adiamento de tarefas que parecem avassaladoras e desconhecidas. É claro, como já deu para perceber, a procrastinação é algo muito pessoal e cada um terá o seu motivo para expressar este sintoma, todos eles e muitos outros que eu não citei tem um tratamento psicoterapêutico que vai muito além da mentalização e automotivação com frases meritocráticas e positivistas. Não basta querer, é bem mais profundo do que isto.


Mas a título de curiosidade citarei brevemente algumas estratégias mais superficiais que você pode começar agora a fazer e que podem ser muito úteis para começar a olhar para este sintoma e movimentar este complexo, lembrando que apenas a psicoterapia é que ajudará a compreender as raízes, as causas da procrastinação especificamente na sua vida e a melhor forma de lidar com ela: começo então pelo autoconhecimento, claro, identificar motivações, medos em geral, medo do fracasso, perfeccionismo e outros; estabelecer metas claras, realistas, específicas, mensuráveis e possíveis de serem alcançadas; estabelecer prioridades; desenvolver habilidades de gestão do tempo, pode usar o método Pomodoro, listas ou outros; eliminar distrações, mídias sociais, notificações de celular e pessoas ao redor; criar um ambiente adequado, limpo, organizado e confortável; encontre um parceiro de responsabilidade para te incentivar e compartilhar suas metas e prazos; praticar autocompaixão, trabalhar a culpa e o amor próprio, se cobrar menos e se acolher quando não conseguir fazer como esperava; fazer pausas estratégicas para recarregar as energias físicas e mentais; e aprender a dizer “não”.


Não sabe porque você procrastina e nem por onde começar a lidar com isto, procure ajuda profissional, faça terapia. Eu posso te ajudar.

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