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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

Ocupado demais?

Tenho recebido na clínica, nos últimos tempos, pessoas que acreditam ser pouco produtivas e que estão com problemas de memória e distração, acreditam que estão com TDAH ou qualquer outra condição, mas em sua grande maioria é estresse, esgotamento pelo excesso de trabalho. O exagero e o hiperfoco exorbitante das tarefas laborais, acadêmicas e semelhantes na vida, agendas superlotadas de reuniões e atividades sem fim, o aumento da exigência de produtividade e da servidão e a distorção destes conceitos como medições da importância da pessoa ou do seu status, gerando ansiedade, esgotamento e sempre frustração. Parece familiar? É o que tenho ouvido ultimamente na clínica. Existe uma frase atribuída a Sócrates que diz: “tome cuidado com o vazio de uma vida ocupada demais”. Cada dia mais comum, pode ser um mecanismo de defesa ou então uma das armadilhas do neoliberalismo para evitar que nos tornemos demasiados humanos, afinal, se pararmos para pensar vamos compreender que esta corrida em círculos na grande roda gigante da vida não tem sentido. Você já percebeu que temos nos tornado cada vez mais ocupados a ponto de não termos mais tempo de pensar na vida? De olhar para o céu? E contemplar a vida?

Tenho ouvido muito na clínica frases como “trabalhei tanto, fiquei tão ocupado que não tive nem tempo de pensar na vida, no meu processo, na sessão e nos meus sentimentos”, temos nos tornados robôs então, não olhamos mais para os processos afetivos que nos atravessam de tamanha ocupação da mente. E com o quê? Com reuniões, com planilhas, com tudo aquilo que é plástico e interminável, afinal, o labor nunca termina. Assim que você termina de responder todos os seus e-mails mais deles aparecem. Eu mesmo não me livrei desta sensação. Outro dia tive o disparate de retirar meu antolho e olhei para cima, depois de meu pescoço estalar e da dor pelo atrofio muscular estranhei a lua, como pode, aquela coisa brilhante lá em cima, ninguém segura, parece tão perto e está tão longe, iluminando o céu noturno, não é normal uma coisa destas no céu, onde estará a lâmpada fria de flúor e o interruptor? 

Imagina só. Depois percebi o disparate, não há nada mais natural e normal do que a lua no céu, está lá antes da existência humana, mas não estamos mais acostumados a contemplá-la, como andamos desconectados da nossa própria natureza, da nossa alma, dos desejos e da vida por viver nesta pressa vazia de cumprimento de prazos e tarefas sem fim. Esquecemos de quem somos, natureza, animais, esquecemos do nosso desejo, vivemos no automático, correndo a semana toda, todos juntos, aos finais de semana todos bebem ou viajam para o mesmo lugar, assistem a mesma séria e ouvem a mesma música. Ainda mais, o que estamos fazendo com a nossa natureza física, com o nosso corpo? Estamos utilizando o corpo como objeto, gastamos suas energias e potencialidades até o extremo durante o dia todo e depois jogamos a carcaça do que restou numa cama. O corpo humano não foi feito ou não evoluiu para ficar mais de oito horas sentado numa cadeira, mesmo a ergonômica, nossas mãos não foram feitas para digitar o dia inteiro e nossos olhos não se desenvolveram para encarar uma tela fria e sintética por longos períodos. Mas é assim que fazemos, usamos como objeto isto que temos e nos esquecemos de tudo que podemos fazer, da maravilha do movimento e do toque.

Nos desconectamos dos sentidos. Não tocamos mais os outros e nem a nós mesmos. Quando foi a última vez que você se arrepiou com o toque de outra pessoa ou o próprio, e não com o ar condicionado, o ambiente sintético que estraga a nossa saúde? Faça agora, esfregue suas mãos uma na outra, sinta o seu toque, perceba se sua mão é macia ou áspera, passe a mão no antebraço, quanto tempo que não faz isto? Quando foi a última vez que você se emocionou ao ouvir uma música? Não temos mais conexões de alma, não olhamos mais para os vínculos, vivemos de forma higiênica, se alguém cair na nossa frente passamos direto sem olhar para trás. O que fazemos é o contrário, a música serve para abafar o som da vida, do ambiente, ficamos de fones o dia todo, para evitar contato, a televisão fica ligada para evitar o silêncio, os protocolos servem para evitar o inesperado, os vínculos, o ar condicionado serve para evitar que o cheiro da natureza distraia, cheiro de chuva, vento abafado, um inseto, evitamos tudo que é natural. Esta é a vida higiênica, compramos as frutas já lavadas e cortadas, não há necessidade de contato com a natureza.

É aí que entra a frase atribuída a Sócrates e a função da psicoterapia junguiana, porque esta vida é vazia, vazia de contato com a própria alma e a do mundo, ainda somos animais com emoções e desejos, nossa vocação e nosso destino natural não tem compromisso nenhum com o que se chama de mercado, com a lista de profissões existentes ou com as necessidades de superprodução e lucro. Sorte de quem consegue alinhar sua natureza a este mundo minimamente e encontra um fazer que contribui nas duas direções, mas isto é raríssimo, a vida vai muito além do tempo na firma. Mas este tempo tem aumentado consideravelmente a ponto de consumir toda a vida, o seu tempo e sua energia. A proposta da psicoterapia é encontrar novamente a conexão consigo mesmo, aquela conexão mais profunda para conseguir olhar para a verdadeira vida, contempla-la e tomar suas decisões deste lugar. Um lugar em que há alma, afetos e desejos, não reuniões, dinheiro e cargos. Todo excesso é danoso.

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