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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) em adultos

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é o transtorno neurobiológico mais prevalente na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida, não é uma doença psiquiátrica, mas um problema neuropsiquiátrico que envolve diversos aspectos da neurobiologia, genética, ambiente e funcionamento cognitivo. Sua etiologia exata ainda não é completamente compreendida, mas há evidências de que fatores genéticos desempenham um papel importante, as pesquisas identificaram genes relacionados à regulação da dopamina e da noradrenalina como candidatos potenciais para a predisposição ao transtorno. Além disso, anormalidades em certas regiões do cérebro, como o córtex pré-frontal, o córtex cingulado anterior e os gânglios da base foram observados em indivíduos com TDAH, além disto, fatores ambientais também desempenham um papel relevante para o aumento do risco: exposição pré-natal ao tabagismo e ao álcool, baixo peso ao nascer, exposição a toxinas ambientais e trauma cerebral são alguns exemplos.


O TDAH manifesta-se por meio de uma variedade de sintomas que podem variar de intensidade e manifestação em cada indivíduo. Os principais sintomas são divididos em três categorias: desatenção, hiperatividade e impulsividade. A desatenção se refere à dificuldade em manter o foco, prestar atenção a detalhes, seguir instruções, organizar tarefas e concluir projetos. A hiperatividade se caracteriza por uma agitação motora excessiva, inquietação, dificuldade em ficar sentado por longos períodos e uma sensação constante de necessidade de se movimentar. A impulsividade manifesta-se por meio de comportamentos impulsivos, como interromper os outros, falar em excesso, agir sem pensar nas consequências e ter dificuldade em aguardar a vez.


O diagnóstico do TDAH em adultos é desafiador, pois os sintomas podem ser menos óbvios e manifestar-se de forma diferente em comparação com a infância. Além disso, muitos adultos com TDAH aprenderam a compensar seus sintomas ao longo dos anos, o que torna a identificação e o diagnóstico mais complexos. O processo diagnóstico envolve uma avaliação detalhada da história clínica, entrevistas com o paciente e, quando possível, com familiares próximos, e a aplicação de questionários e escalas padronizadas para avaliar os sintomas e o impacto na vida diária. Apesar do avanço das ferramentas diagnósticas dos mais variados testes neuropsicológicos e psiquiátricos e dos exames de imagem neurológicos e funcionais, o diagnóstico ainda é essencialmente clínico. 


O TDAH em adultos pode afetar várias áreas da vida, incluindo educação, trabalho, relacionamentos e bem-estar emocional. No âmbito educacional, os adultos com TDAH podem enfrentar dificuldades em concluir tarefas, manter o foco durante a leitura e o estudo e se organizar para alcançar metas acadêmicas. No que concerne ao trabalho, os estudos mostram que os prejuízos típicos incluem: desempenho ineficiente; mudanças de emprego frequentes; faltas; atrasos, erros excessivos; e dificuldades para corresponder às demandas das atividades. Além disto, é comum o relato de: desorganização; esquecimento; fala impulsiva; problemas com autoridade; distração; lentidão; e dificuldade para iniciar ou priorizar tarefas. Outras implicações no contexto do trabalho são: procrastinação, sobretudo quando realizam uma tarefa que exige mais atenção e que a recompensa não será imediata; dificuldade para persistir em uma mesma atividade, levando à interrupção da mesma e a inicialização de outra, deixando ambas incompletas; e a labilidade motivacional, trazendo o desejo de buscar sempre algo novo. Quanto à gestão financeira, as características mais observadas são: gastos impulsivos; uso excessivo do cartão de crédito; pouca ou nenhuma reserva financeira; dificuldades para estabelecer prioridades e pagar contas.


Indivíduos com TDAH relatam problemas nos relacionamentos com seus familiares, amigos e colegas do trabalho. Características pessoais, como a irritabilidade, falta de atenção, fala impulsiva e esquecimento, contribuem para mal-entendidos nestas interações. Em uma pesquisa realizada com adultos com TDAH, 61% relatou possuir autorregulação emocional deficiente quando comparados ao grupo controle. Além disto, o grupo com TDAH obteve índices menores nos questionários que avaliavam qualidade de vida e ajuste social, além de maior frequência de acidentes de trânsito. Em jovens adultos, também é comum o relato: de dificuldades para se manterem em uma mesma relação; comportamento sexual de risco; gravidez precoce; e frequência aumentada de doenças sexualmente transmissíveis.


Particularmente, no domínio parental são observadas dificuldades: de controle dos pais; ausência de rotina organizada e de monitoramento; falha em corresponder às necessidades da criança; e em respostas impulsivas e negativas, como consequências dos comportamentos dos filhos. Os efeitos diretos e negativos das ações parentais podem ser acompanhados por feedbacks ruins sobre esta função, acarretando dificuldades no relacionamento tanto com a criança como com o cônjuge. Em última análise, esta situação pode ocasionar prejuízos nas crenças de eficácia parental, desmoralização deste papel, desmotivação e problemas emocionais. 


Quanto aos relacionamentos conjugais, um estudo turco demonstrou que os papéis sociais dos gêneros podem atuar como mediadores dos impactos do TDAH no casamento. Outros trabalhos enfatizam que o diagnóstico pode favorecer a relação, uma vez que a falta de conhecimento sobre os sintomas e suas consequências podem ser fontes de conflitos. Em determinadas situações, estratégias simples, como compartilhar uma agenda e usar de mediadores externos, podem facilitar a realização de tarefas cotidianas.


Um outro conjunto de publicações descreveu tendências do adulto com TDAH a apresentar comportamentos de risco, como: escolha por atividades perigosas ou arriscadas; prazer por situações extremas (esportes, desafios ou nas próprias escolhas profissionais); capacidade alterada para avaliar o risco; abuso de substâncias psicoativas; comportamento de dirigir carros de maneira agressiva e imprudente. Em outro estudo, os indivíduos com TDAH relataram dar respostas precipitadas antes das perguntas serem concluídas, tendo dificuldade em aguardar sua vez. Suas decisões, na maioria das vezes, eram tomadas de forma impulsiva, o que invariavelmente, trazia prejuízo. Alguns exemplos de prejuízos menos frequente, porém passíveis de risco, são: condutas antissociais (mentir, roubar ou brigar); adotar estilo de vida menos saudável (lazer sedentário e solitário, excesso de uso de videogames, TV e internet) e sobrepeso.


A maior parte das dificuldades supracitadas podem ser justificadas por déficits em habilidades denominadas funções executivas, estas funções representam habilidades associadas ao córtex pré-frontal e suas conexões com outras áreas encefálicas e permitem que o indivíduo se empenhe, de maneira autônoma, em comportamentos orientados a objetivos e envolvem, operacionalmente, processos cognitivos e metacognitivos, como: planejamento diário; priorização; iniciativa; tomada de decisão; uso de estratégias; resolução de problemas; monitoramento do próprio desempenho; controle inibitório de pensamentos, emoções e impulsos. Desta forma, as funções executivas são fundamentais quando o indivíduo precisa adaptar ou flexibilizar seu comportamento diante de uma demanda do ambiente ou lidar com situação nova.


Existem alguns modelos neurocognitivos explicativos para o TDAH. Um deles é denominado “modelo híbrido de funções executivas – autorregulatório” ou “teoria da autorregulação”. Este modelo considera a presença de um déficit cognitivo central no controle inibitório, ao invés de um déficit atencional. Tal dificuldade envolveria prejuízo em três processos: (i) inibir uma resposta “principal”; (ii) suspender uma resposta já iniciada e; (iii) controlar as interferências. Para esse modelo, os déficits em outros domínios são secundários à dificuldade no controle inibitório. Na prática, as funções que dependem da inibição comportamental permitem ao indivíduo internalizar comportamentos para antecipar possíveis mudanças e suas consequências.


O modelo denominado “cognitivo-energético” explica que o processamento das informações depende da interação de três níveis de funcionamento: (i) mecanismos computacionais de processamento; (ii) fatores de estado e; (iii) funcionamento executivo. Os mecanismos computacionais envolvem outros aspectos que são eliciados desde a apresentação do estímulo até a emissão da resposta, como: decodificação da informação, busca de informação na memória, decisão para selecionar a resposta mais adequada e organização motora que está envolvida na emissão da resposta que foi escolhida. Assim, a dificuldade do indivíduo com TDAH se deve ao déficit em um desses níveis.


Por sua vez, o “modelo de aversão à resposta tardia” parte do pressuposto de que o TDAH afeta os mecanismos de recompensa. Dessa forma, os indivíduos com este transtorno evitariam situações nas quais existe atraso na recompensa, escolhendo recompensas menores, porém imediatas, além de se sentiram frustrados quando precisam esperar pela gratificação. Por último, o “modelo de múltiplos caminhos” explica que mais de um mecanismo neuropsicológico pode estar envolvido na compreensão das dificuldades observadas no TDAH. Este modelo é dual e enfatiza que os déficits no controle inibitório e nos mecanismos de recompensa compõem “tipos” diferentes de TDAH, pelo fato de serem subsidiados por circuitos cerebrais distintos. Alguns autores referem ainda a percepção temporal como um terceiro componente, levando o indivíduo a dificuldades na discriminação de intervalos de tempo.


Além disso, a baixa autoestima, a ansiedade e a depressão são comorbidades frequentemente associadas ao TDAH em adultos. Em um estudo realizado em sete países, 42% dos adultos entrevistados descreveram alguma comorbidade com o TDAH. Outro estudo, realizado com idosos, também apontou alta taxa de comorbidades, principalmente dependência de nicotina, vício em álcool, transtorno de humor e de ansiedade. Outro estudo mostrou que 52% dos participantes relataram ter desenvolvido depressão em algum momento de suas vidas e necessitaram de tratamento especializado.


O tratamento do TDAH em adultos é multifacetado e personalizado, levando em consideração a gravidade dos sintomas, o impacto na vida diária e as preferências individuais. A abordagem terapêutica geralmente inclui uma combinação de intervenções farmacológicas e não farmacológicas. Medicamentos estimulantes, como metilfenidato e anfetaminas, são frequentemente prescritos para ajudar a controlar os sintomas do TDAH. Outros medicamentos, como atomoxetina e antidepressivos tricíclicos, podem ser considerados em casos específicos ou como alternativas aos estimulantes.


Além da terapia medicamentosa, a psicoterapia é amplamente recomendada, ela auxilia na identificação de padrões de pensamento e comportamentos disfuncionais, ensina estratégias de organização e planejamento, melhora habilidades de autorregulação emocional e auxilia no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento para lidar com os desafios diários. Outras abordagens terapêuticas, como treinamento de habilidades sociais, treinamento de habilidades parentais e apoio psicoeducacional, também podem ser úteis, dependendo das necessidades individuais.


É importante ressaltar que o TDAH em adultos não é uma sentença de incapacidade. Com o tratamento adequado e o apoio necessário, os indivíduos com TDAH podem aprender a gerenciar seus sintomas, melhorar sua qualidade de vida e alcançar seus objetivos pessoais e profissionais. A educação, o suporte social, o desenvolvimento de estratégias de autorregulação emocional e a criação de um ambiente propício ao sucesso são elementos-chave no manejo eficaz do TDAH em adultos.


Fonte: ALVES, J. de O. et al. Clinical aspects, differential diagnosis and treatment of young people with Attention Déficit Hyperactivity Disorder (ADHD). Research, Society and Development, v. 12, n. 2, 2023. CASTRO, C. X. L.; DE LIMA, R. F. Consequências do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) na idade adulta. Rev. psicopedag., 2018, v. 35, n. 106.

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