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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

O pacto narcísico da masculinidade

O chamado pacto narcísico da masculinidade, de onde provém a chamada masculinidade tóxica, surgiu pela necessidade de se preservar um certo comportamento esperado para os homens, passado de geração em geração, incluindo também as mães e outras mulheres, para garantir a perpetuação da sociedade patriarcal.


São formas de manutenção do poder hegemônico dos homens pelo silêncio entre eles, conivência de seus atos terríveis e repúdio a tudo que é feminino como algo ameaçador, também daí saíram as ideias de macho alfa, sigma, red pills e afins. Estes comportamentos esperados são aqueles do estereótipo masculino mais primitivo e distorcido que se puder imaginar, como ser fisicamente mais forte e dominador, ser o provedor da família e o chefe, não demonstrar fraqueza, não chorar e não demonstrar emoções ou dor, mesmo que física, ser sexualmente ativo e impositivo, nunca negar sexo, ser violento e preconceituoso com as diferenças e não cuidar do corpo ou da saúde em geral. 


É importante notar que esta estrutura se sustenta pelo pacto de silêncio como uma aprovação invisível, por exemplo, quando se faz uma piada machista ou até a confissão de abuso por um amigo e ninguém faz nada, não se chama a atenção e ainda há concordância, há cumplicidade em nome desta manutenção do papel coletivo. Isto é fácil de observar quando os homens começam a criar verdades e narrativas sobre as mulheres ou outros grupos em geral, principalmente LGBTQIAPN+, podem ir desde a relativização de questões fisiológicas como as cólicas menstruais, passando pela TPM e temas políticos como o do feminismo, disparidade de salários, subjugação da inteligência destes grupos e igualdade civil para o casamento até ao reforço de práticas ativas de violência e abusos psicológicos e físicos.


Então entre os homens existe este pacto de silêncio, quando um homem faz algo de errado os outros não falam nada e quando um homem sai um pouco do estereótipo do que acreditam ser o masculino (reforço que é uma visão distorcida) os outros o colocam na linha rapidinho com brincadeiras violentas ou ameaças de exclusão e isolamento do grupo. Foi assim que os homens foram criados, por outros homens e mulheres que repetem estes padrões, numa sociedade misógina que reforça este pensamento como sinônimo de sucesso e normalidade. Quando vão crescendo os homens passam a reproduzir e defender estes comportamentos, pois tendemos a nos identificar com o semelhante, quando nos vemos no outro fechamos um grupo, por isto o nome de pacto narcísico (além deste pacto existem outros, como os da branquitude e o da cisgeneridade, por exemplo). 


Isto tem repercussões culturais também, é um ciclo vicioso, começou porque a sociedade é patriarcal, misógina e conservadora ou o pacto tornou a sociedade assim pela disseminação de seu pensamento? Percebemos na cultura em geral a reprodução deste modelo deturpado, nas músicas e roupas que sexualizam as mulheres, na linguagem sobre como se refere a certos grupos e palavras que um ou outro não podem dizer, sobre os gêneros, cores e desenhos ou filmes de menino e de menina, nas obras de ficção que colocam alguns grupos em papéis estigmatizados, como o gay palhaço, a mulher dramática, louca ou aproveitadora, a ex mulher que só quer o dinheiro, a vizinha prostituta, a namorada que só se interessa pelo carro do homem, a sogra como uma mulher velha e maldosa, e assim por diante. Existe inclusive um estudo brasileiro que fala sobre isto com o título: O homem gaúcho e o pacto “narcísico da masculinidade”: a música regional como ferramenta mediadora do ideal masculino de autoria de Nitielle Floriano Dias e Eric Gustavo Cardin.


O grande problema é sobre como fica a saúde mental destes homens que, obrigados ou pela onda da maioria, estão inseridos neste universo onde ser vulnerável e frágil é um erro enorme, para onde vão suas emoções e como separar sexualidade de ter sentimentos? E também, é claro, a saúde mental dos grupos dominados por esta cultura. Segundo a pesquisa “O silêncio dos homens”, realizada em 2019 pelo Instituto PdH/Zooma Inc., 6 em cada 10 homens afirmam possuir distúrbios emocionais de algum tipo, como ansiedade, depressão, insônia e vício em pornografia. Muitos não são diagnosticados, pois evitam buscar ajuda. E apenas 3 em cada 10 homens possuem o hábito de conversar sobre os seus maiores medos e dúvidas com seus amigos.


O simples fato de poder pedir ajuda sem ser ridicularizado ou escutar piadas pejorativas e preconceituosas poderia ajudar a salvar muitas vidas. Os homens se suicidam quatro vezes mais do que as mulheres e 83% das vítimas de mortes por homicídios e acidentes são homens. Além disso, os homens representam 95% da população carcerária no Brasil. Pelo pacto manter os privilégios da masculinidade, parece que só existem benefícios, mas, na verdade, tem malefícios também, porque o silêncio dos homens também é a impossibilidade de falar dos próprios sentimentos, cuidar da sua saúde física e mental e falar de si e dos seus problemas.


Precisamos ficar muito atentos se, como homens, estamos reproduzindo este modelo de silenciamento e conivência com a masculinidade tóxica, precisamos romper o silêncio, falar mesmo, conversar sobre o que significa ser homem, o que é o papel da masculinidade na sociedade, se tem sentido estes estereótipos e ouvir, saber ouvir as emoções. As mulheres vêm fazendo o mesmo de um tempo para cá, precisamos fazer o mesmo, o que será que quer dizer ser um homem nesta sociedade?

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