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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

O eterno retorno segundo Nietzsche

“E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: “Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem — e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente — e você com ela, partícula de poeira!”. Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: “Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina! Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, “Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?”, pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela?” (Nietzsche, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência. São Paulo, Companhia das letras, 2012, p. 205).


Imagina só que, ao viver a experiência de morte, você visse toda a sua vida passar na sua frente, como um filme, e logo depois você visse aquela luz no fim do túnel, de que tanto se fala, teria então apenas uma opção senão caminhar em direção à luz. Quando menos percebesse, esta luz seria a mesma luz do seu nascimento, da saída do canal do parto e então você renascesse ali, direto, numa experiência cósmica única e logo sua consciência fosse dissipando para que aproveitasse da jornada novamente como se fosse a primeira vez.

Entretanto, como sugere a fábula escrita por Nietzsche, imagina que a vida que você esteja recomeçando seja exatamente a mesma vida que já viveu anteriormente, igualzinha em todos os aspectos, de tempo e espaço, das situações e das pessoas que te fizeram bem ou mal, das alegrias, prazeres e dificuldades. Conceba a ideia de que isto sempre aconteceu e sempre será assim, que você sempre viverá esta mesma vida do início ao fim como foi e sempre será, qual o primeiro sentimento que vem ao coração? 


Bom, eu preciso te dizer, se você pensar um pouquinho a respeito desta ideia e o sentimento que vier não for o de completa felicidade e gratidão pela repetição eterna da sua vida, então tem algo de muito errado na forma como você vive. Quero dizer que você não vive plenamente, quer dizer que você não é feliz, que não gosta da sua vida, que não teve momentos que fizeram tudo valer a pena, quem sabe nunca experimentou emoções positivas, tesão, realização, orgulho, bondade. Será que está vida vale a pena? 


A vida não tem ensaio, não tem como deixar partes de lado e fingir que não existe, não tem como tapar o nariz e engolir a seco o tempo que nos foi dado para passar logo, como fazemos um xarope ruim, a vida é uma dádiva que passa a todo momento por nós, nos atravessa e precisamos nos agarrar a ela antes que termine, precisamos aproveitar cada momento, contemplar cada experiência, parar tudo e olhar para o presente, para o agora e consagrar o tempo, não podemos viver apenas de esquecer o passado, pular as experiências ruins e focar na linha de chegada. A vida é o que acontece no caminho e não no fim.


É, claro, às vezes me pego pensando também que minha vida seria muito interessante se eu a repetisse preservando o grau de consciência e sabedoria que tenho hoje, teria lutado mais, teria tomado decisões melhores, teria me jogado mais em algumas situações, se eu soubesse o resultado de cada decisão, de cada pessoa que me feriu, teria feito muitas coisas diferentes. Mas este é o problema, eu só tenho a capacidade de produzir este pensamento justamente porque passei pelas situações que passei, tudo o que vivi consolidou a mentalidade que tenho hoje, de modo que, se uma gota de chuva tivesse caído num lugar diferente no meu passado, eu seria uma pessoa completamente outra.


Só somos quem somos porque vivemos o que vivemos e isto já é motivo suficiente para não desprezar nosso passado, agora imagina só que você do futuro pensa o mesmo de você de hoje. O que você do futuro faria contigo se pudesse estar no seu momento de vida presente? Provavelmente o discurso seria o mesmo: teria lutado mais, teria tomado decisões melhores, teria me jogado mais em algumas situações, se eu soubesse o resultado de cada decisão, de cada pessoa que me feriu, teria feito muitas coisas diferentes. Então vamos fingir que sabemos e viver a vida plenamente!


Pense mais um pouquinho e comece hoje a viver uma vida digna de ser repetida por você eternamente, em que você apreciaria e seria muito feliz com a ideia de viver novamente, ah que bom, vou viver aquele amor novamente porque eu aproveitei, vou viver aquele trabalho novamente porque eu fui feliz todos os dias, vou viver aquele curso novamente porque sinto prazer em aprender algo novo. Vamos viver a vida com mais coragem e menos arrependimentos.

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