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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

O Ego não é seu inimigo

Você provavelmente já ouviu falar que o Ego é mau, que precisa abdicar do Ego para ser humilde, como se fossem conceitos opostos entre si, ou que precisa deixar o Ego de lado e não se influenciar por ele. É preciso compreender bem o significado destas expressões nas filosofias que as propagam para não diminuir a importância essencial do Ego para a vida consciente e para o desenvolvimento ou iluminação.


Entendemos por Ego aquela instância com a qual todos os conteúdos conscientes se relacionam, se constitui como o centro da consciência e a personalidade empírica, é o sujeito de todos os atos conscientes da pessoa. Essa relação de qualquer conteúdo psíquico com o Ego funciona como critério para saber se este último é consciente, pois não há conteúdo consciente que antes não se tenha sido apresentado ao sujeito. Em diferentes momentos de sua obra, Jung conceitua a consciência igualando-a ao Ego, ressaltando mais diretamente as funções de relação, memória, julgamento, organização, escolha e unilateralidade deste em relação ao inconsciente.


Este ponto é crucial, não existe conteúdo consciente que não tenha sido apresentado ao Ego, então tudo o que sabemos, pensamos, nossas sensações físicas e as emoções que percebemos são sentidas pelo Ego, assim, quem precisa fazer a viagem de autoconhecimento e superação de si é o próprio Ego, somente por meio deste veículo é que conseguimos penetrar o inconsciente e minimamente percebê-lo. Não existe a possibilidade de deixar o Ego de lado e fazer esta viagem sem ele, como se faz com o auxílio de algumas substâncias, porque quando se retorna ao Ego todo o desenvolvimento se esvai, parece apenas um sonho maluco.


Na psicologia analítica, o Ego é também considerado um complexo dentre todos os outros da psique. A teoria dos complexos foi desenvolvida por Jung na primeira metade do século XX com base no teste de associação de palavras, fundamentando a compreensão da psique como um conglomerado de processos psíquicos interligados. Ao discorrer sobre a natureza autônoma dos complexos, Jung aponta o fim da unidade da consciência como equivalente da psique e abre espaço para o reconhecimento de outros fatores psíquicos inconscientes, também dotados de energia, que podem se manifestar e interferir nos rumos da vontade consciente. Quem precisa olhar para os traumas, os sonhos, se desenvolver, aprender humildade, compaixão, amor incondicional, perdão, altruísmo, tudo isto, é o Ego, então parece não fazer sentido tomá-lo como inimigo, ou uma parte para deixar de lado, reprimir e acusar de todo o mal do mundo. Pelo contrário, precisamos olhar para ele, acolher, estruturá-lo, fortalecê-lo e criar condições para que ele se desenvolva. 


A consciência do Eu está relacionada a um tipo de conhecimento específico que comporta também uma dimensão do ‘logos’ pela participação da racionalidade e pela possibilidade de distanciamento reflexivo e de discriminação diante de fatos e afetos. Podemos dizer que, na condição indiscriminada, o Ego encontra-se inundado, tomado do desconhecimento do que lhe acomete, daí a ansiedade e o medo que paralisam suas funções. Talvez daí tenha surgido a ideia de que o Ego seja um inimigo em várias correntes filosóficas e teorias de autoajuda que enfatizam a importância de transcendê-lo em busca de um estado mais elevado de consciência ou iluminação. Essas abordagens geralmente consideram o Ego como a fonte do sofrimento humano e das limitações do ser e ensinam a importância de superar o apego a ele e aos desejos pessoais para alcançar a libertação do ciclo deste sofrimento.


Jung destacou que o Ego desempenha um papel fundamental na integração dos aspectos conscientes e inconscientes da psique. Ele enfatizava a importância de encontrar um equilíbrio saudável entre o Ego e o Self, que representa a totalidade da psique, a jornada de individuação envolveria a integração dos aspectos conscientes e inconscientes de nós mesmos, permitindo-nos desenvolver uma relação harmoniosa e de aproximação entre o Ego e o Self, trabalho este que fazemos por meio do Ego, da assimilação e compreensão simbólica da vida. Portanto, é crucial considerar diferentes perspectivas e reconhecer que o Ego desempenha funções valiosas em nossa vida psicológica e emocional. Valorizar e fortalecer o Ego pode proporcionar um caminho mais abrangente e integrativo para o crescimento pessoal, a compreensão da nossa identidade e a vivência equilibrada no mundo.

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