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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

O caminho é o espanto

Muito se fala sobe autoconhecimento e a tal busca pela sabedoria e melhora contínua, mas você sabe qual é a primeira atitude que devemos ter para iniciar esta jornada? Para não ter o risco de ficar correndo em círculos pela Matrix, plastificados pelo nosso tempo e enganados em nossas repetições, nossa querida Nise da Silveira nos dá a dica, ela escreveu: “é necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade”.


Olha que interessante, e como perdemos a capacidade de nos espantar, existem vários experimentos sociais em que pessoas caem no chão, em praças públicas, ou em que são deixadas crianças sem nenhum adulto por perto e ninguém faz nada, ninguém se espanta, todos passam por estas situações sem olhar, sem perceber ou pior, percebem e ignoram. Tem um que sempre aparece como pegadinha em que um homem pega uma criança e corre para uma rua escura e as pessoas ao redor não fazem nada, não correm atrás, nem sequer acham estranho, estamos vivendo tão no automático que pode cair uma pessoa na nossa frente passando mal na rua ou no transporte público, por exemplo, que somos capazes de pular por cima da pessoa e continuar andando em vez de ajudar. Eu nem preciso falar da invisibilidade das pessoas que vivem nas ruas, das crianças que pedem dinheiro e daqueles que passam fome.


Não precisamos ir tão longe, apesar de que isto está tão perto, somos invisíveis também a nós mesmos, nos esquecemos de nos espantar com as coisas que acontecem nas nossas vidas e na nossa mente, nos esquecemos daquilo que é chamado de ‘atitude filosófica’. Para Platão a primeira virtude do filósofo é admirar-se, a partir da qual deriva a capacidade de problematizar, assim como seu discípulo, Aristóteles, afirma que é a partir do espanto que se pode filosofar. Isto quer dizer que antes de qualquer coisa precisamos parar, olhar ao nosso redor e nos espantar com todas as coisas, com absolutamente tudo o que acontece, vamos tentar fazer este exercício, por exemplo, será que temos mesmo que trabalhar oito horas por dia por trinta anos para só depois realizar aquele projeto de vida?


Será mesmo que precisamos acordar quatro e meia da manhã para engolir meia dúzia de ovos e sair correndo pela rua para ser considerado saudável? Não tem outra forma? Que regras são estas? Quem inventou isto? Onde está escrito no grande livro da vida? Será que algo deve continuar acontecendo só porque sempre foi assim e porque todos fazem? Será que está certo isto de trocar pedacinhos coloridos de papel por objetos de consumo? Será que a gente precisa mesmo morar um em cima do outro, todo mundo juntinho e apertado no meio da cidade?


Admirar-se de maneira reflexiva e se inquietar diante da compreensão da vida e dos seus conceitos atuais é o que nos levará a ampliação da consciência e a elevação do autoconhecimento. Mas o que isto quer dizer na prática? Vou problematizar a minha vida? Vou ‘militar’ sobre os meus pensamentos, ideias e atitudes? Vou filosofar sobre a minha vida? Sim, sim e sim. A ideia deste exercício é este, precisamos desconstruir as verdades que temos, as regras que não sabemos de onde vieram para depois disto construir as nossas próprias concepções, uma forma de fazer isto é colocar a questão ‘será’ para todos os pensamentos que tivermos e geralmente esta é a primeira fase de um processo psicoterapêutico, porque o que nos leva a angústia e a gênese da neurose é basicamente esta, não conseguimos dar conta de estas regras, porque elas não foram criadas tendo como base a nossa essência ou o nosso bem, mas para manter intactos os meios de produção.


Muitas pessoas vivem tão imersas em suas caixinhas pessoais, familiares e sociais que se esquecem de pensar sobre a vida, de buscar as suas próprias respostas e regras e aceitam os conceitos e “programações” que fizeram para ela. Por exemplo, quando pensamos assim: “ah, a vida é difícil mesmo”, será que é? Quem disse isso? Onde está escrito? Precisa ser assim? O que torna a vida tão difícil e que é tão imutável? Ou: “é normal ficar deprimido atualmente”, será que é? Não existem outras formas de viver a vida que dê a ela um sentido diferente? Ou: “que tristeza que o carnaval acabou e vou ter que voltar ao trabalho”, ué, mas se a felicidade está fora do trabalho, será que eu ainda deveria frequentar este lugar? Será que todo trabalho precisa ser triste? Será que a vida boa só acontece nos feriados?


Fazemos generalizações tendo como preceitos ideias que não são nossas ou que não são o melhor para a nossa vida e nos esquecemos de nos espantar e de questionar a nossa realidade. Será que eu preciso trabalhar desta forma? Será que eu preciso usar o meu tempo assim? Será que eu preciso viver neste lugar? Será que é normal este tratamento com o outro? O quanto que naturalizamos as tragédias, a violência e os abusos conosco e ao redor? Quando foi a última vez que você se espantou ou chorou assistindo um noticiário de televisão?


Vamos tentar fazer este exercício prático de autoconhecimento, se espante com tudo em sua vida, questione todas as suas certezas, pare de aceitar a vida mastigada de quem só quer controlar seu corpo e sua mente para o lucro, a vida pode e deve ser diferente, tudo é possível, quem limita a vida somos nós mesmos. Descubra quem é você!

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