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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

Breves reflexões sobre o filme Pinóquio por Guillermo del Toro – com spoiler

Descrita como uma versão mais obscura do clássico infantil de Carlo Collodi, publicada pela primeira vez em 1883 na Itália, a animação estreou na Netflix recentemente e já está em primeiro lugar dos filmes mais vistos no Brasil. Pinóquio, ou Pinocchio em italiano, que significa pinhão, era um boneco de madeira esculpido por Geppetto e que ganhou vida por mágica de uma fada da floresta. Seu maior sonho era o de ser um menino de verdade e sua característica principal era que o nariz crescia quando ele mentia. Na versão do diretor Guillermo del Toro, a história acontece numa Itália fascista da época da grande guerra e evidencia elementos mais sombrios da vida, sobre a solidão, a ganância, as relações paternas e a finitude da vida.

Esta análise será breve porque existem muitos elementos da história que merecem melhor aprofundamento do que será possível aqui, então farei um sobrevoo sobre os principais temas e discussões que poderão ser ampliadas posteriormente. O primeiro deles, seguindo a ordem do filme, é sobre a estrutura familiar do primeiro filho de Geppetto, quando analisamos um conto percebemos quais elementos aparecem e quais foram suprimidos, um homem idoso que vive com um menino pequeno, cuida dele, o ensina e conta histórias para dormir, percebemos a falta do feminino e o enfoque da relação pai e filho. O pai sábio, trabalhador e religioso, um exemplo de cidadão italiano como foi dito, junto com o início do sobrevoo de aviões de guerra.

É possível pensarmos em como a vida seguia seu ritmo naquilo que alguns simplificam com o termo “zona de conforto”, tudo estava bem e feliz, momentos como estes são aqueles que precedem uma grande aventura, se olharmos para o desenvolvimento da Jornada do Herói de Campbell. E foi o que aconteceu, bombas foram jogadas na cidade e uma acertou a igreja onde estava o menino, causando a destruição da igreja e sua morte. Uma igreja destruída, assim como a morte de uma criança, são maus presságios, podem significar um abalo na fé e na esperança, tanto é que o Jesus Cristo na cruz ficou mutilado e o velho não foi restaura-lo até que o Pinóquio surgisse na sua vida, foi este o sentido do boneco de madeira para ele, a restauração da fé. 

Mas como foi mesmo que o boneco de madeira ganhou vida? Geppetto estava triste, inconsolável de seu luto e num acesso de raiva após beber começou a discutir com a divindade, como poderiam ter levado um menino inocente e porque não ouviam suas preces? Ele havia plantado um pinheiro com o pinho perfeito que o filho havia encontrado e feito seu túmulo ao pé da árvore já crescida, e desta árvore esculpiu o corpo de Pinóquio. Havia vida material, a árvore cresceu de fato, mas não tinha vida espiritual, não tinha alma e nem fé, a fé de acreditar naquilo que não compreendemos. E como temos o desejo de controlar a vida, nos esquecemos que a vida segue as leis da natureza, as coisas são apenas da forma como devem ser e nossa influência sobre isto é muito pequena, não controlamos a morte e também não a compreendemos completamente.

Aqui temos um ponto importante para discutir sobre o luto e a resiliência, como lidar com a morte, com as partidas e os términos definitivos ou não e qual é a função do divino nisto tudo. Será que vivemos num mundo de recompensas guiado pelo invisível, ou seja, aquele que faz o bem será sempre poupado? Será que existe esta tal de justiça divina ou vivemos num caos? E será que a morte é então uma punição de quem não se comportou bem em vida? A trama nos dá respostas sobre isto, afinal, o espírito da natureza, que se identifica como responsável pelas coisas esquecidas, ouviu o homem bom e decidiu dar vida ao boneco de madeira com um único objetivo, levar felicidade ao velho homem pela companhia e pelo amor. 

É interessante pensarmos na relação pai e filho a partir desta visão do sentido da vida do boneco, ele existe apenas para agradar o pai, levar felicidade e protege-lo da solidão, não existe uma vocação pessoal para Pinóquio senão em função do desejo do pai. A fada da floresta, o anjo ou bruxa não disse para o menino “viver e encontrar sua própria felicidade e seu caminho”, mas disse, exatamente: “pequeno menino de madeira, feito de um pinheiro, que você se levante com o sol e caminhe sobre a terra, traga alegria e companha para aquele pobre senhor amargurado, seja filho dele, encha os dias dele de luz para que ele nunca fique sozinho”. Quantos de nós ainda vivemos carregando esta responsabilidade com os pais? Quando não conseguiram se tornar adultos por conta disto? E ser adulto significa romper com este feitiço e percorrer a própria jornada de autodescoberta. 

Mais interessante ainda é o fato de que quem mora no coração do Pinóquio é um pequeno grilo, um inseto tão pequeno e tão sábio, responsável por cuidar do menino e ensina-lo a ser bom, sendo que sua aspiração é a de contar histórias e escrever suas memórias, a fada da floresta estava certa, é por meio das histórias e das memórias que se faz um coração bom. E podemos observar a jornada do coração que é deixado de lado quando o menino vai para o circo, o grilo tentou dizer para ele não ir, mas ele não ouviu seu coração, como as ambições e os enganos podem nos distanciar da nossa vocação. 

Já está ficando muito longa está breve reflexão, então resumindo e para encerrar ainda poderíamos ampliar sobre a Jornada do Herói novamente na parte do reencontro e transformação dos personagens dentro da barriga da baleia, sobre quando é bom mentir, será que a moral é assim tão inflexível? Sobre as amizades improváveis como foi a relação com o macaco e com o menino filho do soldado e das brigas que podemos ter a beira dos precipícios da vida, do sacrifício do boneco e sobre a questão da imortalidade e de todas as vezes que precisamos morrer simbolicamente, com momentos cada vez mais longos de reflexão, para retornarmos a vida. É claro, que por fim, o desejo do coração, o grilo, foi o que trouxe novamente a vida ao menino e a família e os uniu.

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