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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

A verdade sobre o acolhimento psicológico

“Se eu contar a minha história para o psicólogo ele é quem vai chorar!” 

“Se eu disser toda a verdade ele vai me internar!” 

“Se eu contar tudo ele é que vai precisar de terapia!” 

Estas frases são muito comuns de se ouvir e podem indicar certa insegurança a respeito de como a sua angústia será ouvida pelo profissional, será que ele vai compreender a gravidade da minha dor? Qual será a reação dele? Será que ele está preparado para ouvir isto que me atravessa sem achar que é besteira? A partir de então se cria uma fantasia sobre a reação ideal que o psicólogo deve ter quando entra em contato com sua ferida aberta, exposta, inflamada para que se possa dizer que ele entendeu ou se importou. 

Será que a pessoa que deveria me auxiliar na cura pode se perder na profusão de emoções que isto gera? As reações emocionais do profissional ajudam ou atrapalham? É possível ter empatia sem vivenciar a angústia como se fosse sua? Algumas vezes temos a impressão de que o psicólogo, ou profissional de ajuda em geral, médicos, enfermeiros, nutricionistas e fisioterapeutas, se não se chocarem, se não chorarem conosco, se não xingarem juntos, se mostrar apenas a neutralidade será frio ou insensível ao que estamos dizendo.

Esta discussão existe na psicologia desde que o mundo é mundo, os antigos psicólogos Maias e Astecas já falavam sobre isto nos grandes tratados da antiguidade. Existe um pano de fundo relacionado aos conceitos de acolhimento e de empatia, além da análise pessoal que o indivíduo precisa ter para conseguir lidar com algumas situações. E sobre a reação que temos receio que o psicólogo tenha quando nós contamos a nossa dor mais profunda, quando choramos ou quando confessamos algo terrível para ele. 

Todas estas expectativas devem ser discutidas na terapia, porque elas podem representar, além da qualidade do vínculo ente o psicólogo e o cliente, o lugar que a pessoa colocou seu terapeuta, que papel eu preciso te dar neste momento? De pai que dá conselho? De amigo que chora junto? De mãe que abraça, coloca no ninho e dá colo? De professor que desvenda os mistérios psicogênicos de todos os acontecimentos? De padre que ouve uma confissão e dá uma penitência?

Esta necessidade de refazer rearranjos de papeis durante o processo terapêutico é bastante comum e existe até um nome para isto, “ego auxiliar”, é como se o terapeuta fizesse um pezinho que ajuda seu cliente a passar por alguns obstáculos. Mas isto não significa que este papel será desempenhado da forma como se espera ou por muito tempo. Ao invés disto, criamos um lugar seguro e confortável, livre de estigmas e projeções distorcidas de papéis para que a pessoa possa dizer e sentir tudo que estiver atravessando, poderá chorar, confessar, gritar, falar coisas que considera absurdas, horríveis ou maldosas. 

A cura vem em dizer tudo isto, em se deixar sentir, em ouvir o que você mesmo disse e principalmente em fazer isto num ambiente seguro e perto de alguém que seja um ser humano e que não irá julgar e também de alguém que seja apto para lidar com este conteúdo, com formação adequada para isto e treinado. Por isto, quase sempre as reações do psicólogo são neutras ou amenas. Não é porque ele não se importa ou não recebeu o impacto do que foi dito, mas porque é seu momento, para dar o espaço necessário para a expressão da angústia. 

O silêncio do seu psicólogo quando você chora quer dizer “olha, aqui você tem espaço para se expressar, fique um pouco com isto para sentir e para ver o que isto te diz, não tenhamos pressa em jogar isto para debaixo do tapete novamente”. O terapeuta não tem pressa em dizer coisas do tipo “não chore, vai passar”, porque ali é o momento de deixar vir à tona, isto é que quer dizer acolhimento psicológico de verdade, dar lugar para a dor falar. As pessoas confundem isto, acham que acolhimento é dizer mil coisas fofas, lindinhas, pegar no colo e passar a mão na cabeça. 

O psicólogo é um ser humano que irá sofrer sim, dependendo do que ele irá ouvir na sessão, e poderá também esboçar reações, por isto que também fazemos terapia e supervisão, mas o foco na sessão é a pessoa que procurou ajuda e o objetivo principal é o de criar um espaço seguro para que ela consiga entrar em contato com sua dor sem a chatice de se preocupar com alguém dizendo para não chorar, ou que isso não é nada, ou que vai passar logo. O silêncio do seu psicólogo é por respeito e não por frieza.

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