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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

A Inteligência Artificial vai substituir a Psicologia?

Muito tem se falado ultimamente a respeito da evolução do Site-GPT e de como a Inteligência Artificial (IA) poderá substituir muitas das profissões que existem hoje em dia, foram dados até exemplos de como ele faz funções simples e técnicas como elaborar documentos cujos modelos já existem mandatórios como os jurídicos e linhas de programação. Nos últimos dias houve o comentário de que a IA poderia também substituir a psicologia e as justificativas foram bastante distorcidas sobre a ideia do que faz um psicólogo dentro da clínica e na sociedade, retirando todo o caráter crítico, humano e científico da profissão e a reduzindo a conselheiros aleatórios e irresponsáveis, a antiga ideia de que faz psicologia quem gosta de saber da vida dos outros ou que a saúde mental se reduz a extremos do que se chama de loucura ou de frescura facilmente resolvível. 


Antes de tudo pela própria forma de organização e do processo de funcionamento da IA, que é um sistema de linguagem, de integração de informações, ou seja, um amontoado de todas as coisas já publicadas na internet, sejam elas livros ou qualquer outra coisa, também incluindo fake news, conhecimento não científico, achismos, senso comum, mitos e tudo o mais. Lembramos que informação não é conhecimento, para tanto é necessária crítica, organização e sistematização destes e também é bom lembrar que nem todo conhecimento é científico e a psicologia é uma ciência, mesmo que exista a discussão dentro da área se trata de uma ciência natural, estatística, baseada em evidência, empírica, humanista ou fenomenológica, ainda assim é uma ciência. 


Também precisamos nos lembrar que nosso cérebro não funciona desta mesma forma, por sistema de linguagem, o processamento é outro, muito melhor, mais profundo e integrativo, assim, conversar com outro ser humano jamais será o mesmo que conversar com uma máquina, não somente porque temos a capacidade de ter emoções, mas porque nosso cérebro é muito mais potente, com um funcionamento muito particular, hoje impossível de ser reproduzido por máquinas. E eu estou falando apenas de consciência, se partirmos para a compreensão de inconsciente então uma IA jamais conseguirá reproduzir, porque esta noção esbarra na compreensão de alma, se em algum dia houver a discussão de que a máquina se tornou consciente ela jamais terá um espírito, será menos que um animal. Um animal pode ser útil em processos psicoterapêuticos, isto já foi comprovado, porque tem alma, porque sente, não porque tem grande desenvolvimento de consciência.


Outro ponto importante é a ideia que as pessoas leigas fazem da psicologia, como uma profissão que serve para aconselhar e acalmar pessoas e nem de perto se trata disto. Aquilo que um psicólogo dirá não será o mesmo e não se propõe ao mesmo efeito do que um amigo diria, não é aconselhamento, direcionamento, palavras de sabedoria para pensar ou ombro amigo, afago no momento de tristeza, esta é uma visão completamente equivocada do que faz um psicólogo. Muito menos o psicólogo acalma e direciona indivíduos, decide por eles, dá uma dica de fora da situação, com a fórmula do que vai dar certo para todos os acontecimentos, isto não acontece e jamais deve acontecer, o psicólogo te ajuda a compreender a sua circunstância de vida para que você consiga decidir e fazer alguma coisa a partir do seu desejo e da força que tem, seja esta decisão qual for. 


Para isto a IA não faz efeito, ela sempre te dirá a coisa mais senso comum possível, a mais sensata e morna conforme o agrupamento de opiniões, publicações e informações da internet, eu já testei, questionei algo de um dilema que aparece muitas vezes na clínica: “devo voltar a namorar minha ex-namorada?”, a resposta foi a mais esguia possível: “antes de decidir voltar com sua ex-namorada, é importante considerar as razões pelas quais vocês terminaram e se essas questões foram resolvidas”. Parece sensato? Claro, mas ele não te conhece, não avaliou sua psique, não sabe se tem alguma questão emocional patológica, apego, violência ou abuso na história, sua autoestima e os pequenos contornos da história do casal. 


Então, pode ser que até que para questões altamente técnicas e objetivas a IA sirva, de início e preparação para uma terapia, como, por exemplo, “me dê uma técnica de respiração profunda para acalmar os sintomas físicos da ansiedade”; “me dê a lista de motivos pelos quais alguém procrastina”; “quais são os sinais e sintomas da depressão”, para isto você não precisa de psicólogo, mas isto também não é um tratamento, você não se aprofundou e compreendeu os motivos, de onde vem a ansiedade ou a depressão e não trabalhou na causa, não houve um olhar individual para a sua vida em particular e no seu microcosmo e inserção social, foi algo muito geral e impessoal que se encontra em qualquer livro e que não ajuda ninguém verdadeiramente. 


Estes aspectos que estou mencionando são talvez os inicias, os mais básicos, para começarmos a discussão, existem diversas outras atuações da psicologia que vão além da clínica, como a educacional, social, organizacional, jurídica, de grupos e da comunidade, enfim, então vou acrescentar uma ideia que se tem em todas as teorias psicológicas, desde as mais técnicas como as do estilo comportamental mais antiga até aquelas altamente humanistas o fato de compreender que o avanço e até a cura num processo psicológico se dá pela qualidade da interação humana entre o profissional e o cliente, só o que há de humano numa pessoa pode ajudar o humano que está ferido em outra, isto vem antes de qualquer conhecimento, técnica ou amontoado de informações. O que cura é você contar para outro ser humano, interagir, ser acolhido, ser ouvido, é uma mistura como o encontro e a reação química de duas substâncias que faz a transformação necessária, é por isto que ler livros de autoajuda não funciona, assim como fazer terapia com Chat-GPT.


Agora, vamos entender porque se acredita que deve ser possível conversar com sua geladeira e tratá-la por psicóloga, das pessoas que vi defendendo esta possibilidade eu percebi algo em comum, primeiro que são pessoas completamente alheias e ignorantes da área da saúde em geral, segundo que são pessoas de áreas já muito subjugadas pelo mercado e que poderão ser substituídas pela IA e terceiro que são pessoas que podem estar inseguras e com medo de olhar nos olhos de outro ser humano e iniciar um processo psicoterapêutico. Veja, é preciso de muita coragem e prontidão para enfrentar uma terapia, não é coisa fácil e simples, procurar um estranho e pagar para dizer sobre suas feridas, vulnerabilidades e erros e depois disto ainda ter o trabalho de arrumar tudo isto?


É uma visão deturpada da terapia, é difícil compreender que precisamos de ajuda para melhorar a qualidade dos nossos pensamentos, para ter comportamentos mais saudáveis e para ampliar nosso autoconhecimento e assim tomar decisões mais assertivas, entender e dar lugar ao nosso desejo e prevenir doenças emocionais, se aproximar da natureza da vida e não ser refém das manipulações e das distorções da sociedade de produção e de objetificação do humano. Ah, não. É melhor eu me entupir de remédio, me dopar e pedir meia dúzia de conselhos para a IA, ou para a TV ou ler um livro qualquer de alguém que me dê a lista de cinco coisas para fazer e resolvido. Será?

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