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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

A fetichização da sombra

“O termo sombra refere-se àquela parte da personalidade que foi reprimida em benefício do ego ideal. Uma vez que todas as coisas inconscientes são projetadas, encontramos a sombra na projeção — na nossa visão do “outro”. É comum que ela apareça como uma personalidade inferior, ela é a experiência arquetípica do “outro”, aquele que, por ser-nos estranho, é sempre suspeito. É o impulso de buscar o bode expiatório, alguém para censurar e atacar a fim de nos vingarmos e nos justificarmos; é a experiência do inimigo, da culpabilidade que sempre recai sobre o outro, pois estamos sob a ilusão de que conhecemos a nós mesmos e já trabalhamos adequadamente nossos próprios problemas. Na medida em que é preciso que eu seja bom e justo, ele, ela ou eles tornam-se os receptáculos de todo o mal que deixo de reconhecer em mim mesmo”. 

Esta é uma excelente e direta explicação do significado do conceito de sombra na psicologia junguiana, é aquele juntado que forma a personalidade que faz oposição ao ego e que contém tudo aquilo que (também) somos, mas rejeitamos em nós mesmos, seja bom ou ruim, geralmente julgamos como o mal porque não queremos olhar para aquilo e com muita frequência e projetamos seu conteúdo no outro, afinal, eu não posso conter aquilo que abomino. Por isto que a primeira tarefa que você encontrará numa psicoterapia junguiana será a de encontrar em si mesmo tudo aquilo que te incomoda no outro e no mundo, porque modificamos o mundo de dentro para fora e não o contrário, e para ser honesto, muitas pessoas não passam desta fase da terapia. 

“O reconhecimento da sombra pode acarretar efeitos marcantes sobre a personalidade consciente, a própria noção de que o mal que vemos na outra pessoa talvez esteja em nós mesmos, pode provocar choques de intensidade variada dependendo da força das nossas convicções éticas e morais. Assim, sombra é a porta para a nossa individualidade, na medida em que nos oferece um primeiro vislumbre da parte inconsciente da nossa personalidade, a sombra representa o primeiro estágio em direção ao encontro do Eu. Não existe, na verdade, nenhum acesso ao inconsciente e à nossa própria realidade senão através da sombra”. 

Na prática, é importante esclarecer que trabalhar a sombra não é esse rio de gostosuras que as pessoas gostam de pensar, ah que delícia, isto é a minha sombra heim, cuidado se eu for mal-educado contigo, estou deixando a sombra agir, ela é assim mesmo. Não. Sombra não é sinônimo de falar sem filtro e ser indigesto socialmente, trabalhar a sombra não é o mesmo que se permitir ser preconceituoso ou criminoso, não é o mesmo que ficar falando palavrão ou faltar com respeito ao próximo, é um trabalho interno mais duro e delicado. Imagina só, perceber que existe dentro de mim tudo isto que eu não gosto no mundo e aprender a lidar com isto, algumas coisas deixar lá e outras trazer para a consciência.

“Só quando percebemos aquela parte de nós mesmos que até então não vimos ou preferimos não ver, podemos avançar para questionar e encontrar as fontes das quais ela se alimenta e as bases sobre as quais repousa. Logo, nenhum progresso nem crescimento são possíveis até que a sombra seja adequadamente confrontada — e confrontá-la significa mais do que apenas conhecê-la. Só depois de termos ficado realmente chocados ao ver como somos de verdade, em vez de nos ver como queremos ser ou pretendemos ser, é que podemos dar o primeiro passo rumo à realidade individual”.

Sabe o medo? Quando você sonha com monstro? Quando a gente corre e não sai do lugar? O próprio diabo? Estas são possíveis ilustrações do sentimento da sombra, aquilo que faz você apagar a luz e sair correndo a noite em casa, ou observar as sombras que se formam a noite na rua ou dentro do quarto. O medo de quando se está sozinho e não tem ninguém para fingir. Aquilo que faz você sentir ódio, nojo ou covardia, o medo da humilhação, a ansiedade e insegurança das coisas da vida, tudo isto podem ser exemplos de conteúdos que ainda estão na sombra e, por isto, se expressam desta forma. O estranho outro que nos oprime, mas que está dentro de nós. Aquele em nós que evacua na mesa do gabinete do ministro da suprema corte federal.

(Parágrafos em aspas: Edward Whitmont no capítulo “A evolução da sombra” do livro “Ao encontro da sombra: o potencial oculto do lado escuro da natureza humana”).

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