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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

A espetacularização da sessão de psicoterapia

Aconteceu nesta semana, ou vem acontecendo de modo geral há algum tempo, mas nesta semana atingiu alguns dos meus complexos profissionais e morais mais elevados, uma pessoa, uma criança, jovem de tudo, uma daquelas garotas de cabelo rosa, gravou sua sessão de psicoterapia e está divulgando partes dela no TikTok, com autorização do seu psicólogo, as partes em que ela recebe feedbacks difíceis de ouvir e colocou na descrição algo como “levando tapas na cara na terapia”, seguido de risadas. 

Falando muito brevemente sobre a posição do profissional que autorizou, tudo bem, a responsabilidade é dela por se expor se foi ela mesma quem gravou e postou nas redes sociais sua sessão, a obrigação ética e legal do profissional é garantir a privacidade, que foi garantida, ela que violou, sendo a sessão dela, é claro que ela pode fazer o que quiser, é o momento íntimo dela. Pessoalmente eu acredito que o psicólogo deve ir além do que garantir a privacidade, deve também cuidar da privacidade da pessoa, eu não autorizaria divulgar, sequer autorizaria gravar a sessão e, inclusive, o pedido para tal seria pauta urgente da sessão, por que você sente a necessidade de gravar sua sessão e compartilhar nas redes sociais como se você fosse uma piada? É assim que você olha para a sua angústia? É isto que a terapia representa para você, um espetáculo, um show?

Uma vez me foi solicitado gravar a sessão com o objetivo de que estava sendo muito legal e proveitoso, mas que a pessoa se esquecia se algumas reflexões e queria ouvir outras vezes em casa para ajudar a pensar em tudo o que foi dito. Minha resposta? Bom, primeiro ajustamos o ritmo da terapia, para que não fosse tanta informação de uma só vez, depois expliquei sobre a privacidade e sobre a possibilidade e riqueza analítica que tinha nos temas lembrados e esquecidos como mecanismos do ego para enfrentar algumas coisas e outras não naquele momento. Nossas resistências precisam ser respeitadas, se o ego faz a pessoa esquecer de determinado tema naquele dia é porque não se sente preparado para aquilo, nem sempre vamos forçar, falei sobre a importância de pensar sobre quais assuntos mais se repetem, de quais ele se lembra mais e quais temas ele nunca falou ou fala pouco. 

A posição de quem faz terapia deve ser ativa, deve ser a difícil arte de pensar, forçar a cabeça, se gravar vai colocar tudo de bandeja e mais, o inconsciente não participará da escolha dos temas, o que é vital para o sucesso da terapia. Eu até sugeri que meu paciente levasse um caderno para a sessão para fazer suas anotações, porque ainda assim toda a informação, os insights, os pensamentos e as emoções passariam por dentro dele até sair no papel, não seria tão cru como gravar, mas ele compreendeu e decidiu não fazer isto. A terapia ficou muito mais fluída, sem pressão e no tempo que deve ser o aparecimento dos temas e das lembranças, e não no tempo da produtividade neoliberal. 

Também mostrei para ele que a terapia não é aula, palestra ou podcast para ficar estudando, a psicoterapia é um momento de encontro de almas, o que acontece de importante ali é o dito e não dito, é a relação e tudo que se faz depois não é repetir num gravador, mas ir além, refletir e ampliar, sair da sessão e observar como se sente, como se organizou por dentro tudo que aconteceu lá. Quando se grava para assistir ou ouvir ficamos presos num tempo vazio, porque o que preenche o tempo é o encontro. 

É assim que eu penso a sessão de psicoterapia, como um lugar sagrado, fora do tempo e do espaço, um lugar para se falar sobre a vida, os pensamentos e as emoções de forma livre e sem preconceitos, sem julgamentos, para que a pessoa se ouça, se veja e para que, na relação com o outro, se perceba no mundo. É o lugar onde acontecem os insights, onde podemos deixar a pedra que carregamos todos os dias de lado para esticar os ombros, o lugar que falamos nossos maiores medos, inseguranças, pensamentos ruins de vingança ou ódio, dos sonhos, onde podemos ouvir a nossa alma e receber uma devolutiva profissional, filosófica e científica a respeito do que está acontecendo. 

Não é um lugar para espetáculos, para carteirada ou para shows, não é lugar para se filmar e postar nas redes. Antes as pessoas postavam seu prato de comida, depois passaram a postar lugares que estão e coisas que estão fazendo, então postaram procedimentos médicos e partos, cirurgias e sexo, agora a sessão de terapia? Vamos pensar melhor para que estamos fazendo terapia. Para fazer um espetáculo? Para dizer que se está em análise? Para cumprir protocolo e usar como mais uma reuniãozinha no meio do expediente de trabalho? Para desabafar, por que é muito solitário e carente? Tudo isto também pode ser válido, desde que seja discutido na própria terapia. 

Guardo comigo a esperança de que alguém também busca terapia hoje em dia para se conhecer e entrar em contato com a sua própria alma. Você postaria sua sessão de terapia nas redes sociais?

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