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  • Foto do escritorPsicólogo Renato Orlandi

A depressão de domingo à noite

Para quem trabalha de segunda a sexta, mais evidentemente, pode notar um aperto no peito e um nó na garganta relacionado ao pôr-do-sol de domingo, a musiquinha do Fantástico ou até mesmo do Domingão do Faustão. Uma sensação de inquietação e de tristeza pelo retorno a rotina de trabalho, acordar cedo, pegar trânsito ou condução lotada, usar roupas desconfortáveis e olhar para aquelas pessoas que tolera com muito esforço. O cheiro da manhã fresquinha já invade a mente, lá da memória vem à lembrança de que isto não terá fim, para sempre foi e será, é a vida.


A única salvação será o próximo final de semana, ah, dois dias inteiros para não fazer nada, descansar e sublimar esta angústia de viver, mas vai demorar, porque não tem nenhum feriado, heim? E estes dois dias passam tão rápido, mal se sente, não fiz nada, o tempo me foi roubado e a vida está escorrendo pelos meus dedos. E começa tudo de novo, outra vez, que tristeza, mas logo vem as férias, poderei escapar da minha vida novamente. Agora não, agora vou esquentar a marmita, vou forçar a simpatia e vou engolir os sapos todos. Há por dentro um pântano de tantos sapos engolidos, de tanta tristeza suja, os pantanais da alma como escreveu Hollis ao falar de depressão, um lugar onde não cresce vida, há apenas águas paradas. 


Sentiu esse clima? A angústia de ter que voltar para a suposta vida que dá no domingo à noite, e posso dizer, eu que já trabalhei por plantão e não tinha os finais de semanas acertados também já senti isto. E suposta vida porque sem entusiasmo não é vida, é a peleja, é a obrigação, a cruz da vida adulta, sacrifício não, a palavra do latim significa tornar algo sagrado, e o trabalho não faz isto quando se trata de castigo, só dignifica o homem que cumpre seu propósito e não existe vocação para pagar boletos. Não há dignidade em ser escravo de si, em se permitir a exploração e a gastura, em se render à falta de fé, de acreditar que seja possível uma atividade prazerosa, mesmo apesar de todas as circunstâncias sociais. É melhor um pequeno passo na direção certa, mesmo que demore décadas para se chegar lá do que alta produtividade, cargos e salários na direção errada, algo que levará apenas a levantas castelos de areia ou cartas que irão desabar, cedo ou tarde. 


Estou falando aqui de algo mais difícil do que a suposta integridade de fazer o que se acha certo e assumir a mazela de qualquer labor em nome das obrigações de adulto, esta é a desculpa do explorado, fazer isto sem pensar numa solução para viver quem se é de fato não passa de se entregar e se acomodar a vida medíocre. Seja então assim, um pedaço de gente, gente pela metade, gente que pega uma praia no final de semana e vai para o churras se entupir de bebida, porque Deus nos livre de parar para pensar na vida, não cabe contemplação de nada, um segundo de silêncio é insuportável, porque a vida que quer se viver grita dentro, sua essência, sua melhor versão. A vida dentro de você não se contenta com um empreguinho de semana e um passeio no shopping para tomar um sorvetinho no sábado, comer uma pizza de mussarela com cerveja e quando der muita sorte, sexo no domingo, sem barulho, sem tirar a roupa, luz apagada, debaixo do lençol e rápido. Há vida em você, que quer ser vivida em sua plenitude. 


Tomando a vida por uma perspectiva geral e existencialista, estamos todos aqui para desenvolver as nossas potencialidades, para crescer e evoluir no processo de individuação, para sermos quem somos de verdade, nossa essência, como uma semente que precisa se desenvolver para se tornar uma árvore, o destino da semente é este e o nosso é o de nos tornarmos a nossa melhor versão. Isto significa que não estamos aqui para enriquecer o patrão nos enfiando num cubículo maior parte das nossas vidas, mas para descobrir aquela coisa no mundo que nos trará sentido e significado, o que podemos chamar de felicidade eudaimônica, a felicidade relacionada ao daimon, ao Self, a essência. Aquela coisa que, quando chegar domingo à noite, vamos ficar ansiosos e empolgados para começar logo, mal posso esperar para chegar naquele trabalho, para fazer aquela coisa, para chegar na minha sala e começar esta maravilha que me dá sentido e vontade de viver!


Aquilo que nos faz amaldiçoar os finais de semana, ah não acredito, o que será da minha vida, dois dias inteiros afastados daquilo que me aproxima do divino no mundo para mim, o que será de mim nestes dias? Isto é a coisa que precisamos encontrar, a depressão do final de semana é um sintoma, um sinal de que algo está errado, de que você está longe de quem realmente é, do seu lugar no mundo, daquilo para o qual nasceu para fazer, aquilo que justifica sua existência, você só existe para aquilo, uma semente de pinheiro só pode se tornar uma árvore de pinheiro, e você só poderá ser você mesmo, não dá certo botar um pinheiro num escritório para atender clientes, ele nasceu para produzir pinha. Assim como não dá para você ser feliz se não for fazendo aquilo que se sente bem, seja ela qual coisa for, a sorte é que são várias e são dinâmicas, elas mudam, basta encontrar. O que não ajuda é que nem sempre o que a vida quer está em sintonia com o que o mercado de exploração do capital deseja. O que a vida quer de você? Você é semente de quê? Vamos resolver esta depressão de domingo à noite.

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